“Só uma mãe sabe o que é amar e ser feliz”. Nem todas as mulheres que desejam, no entanto, podem sentir a plenitude daquilo que é a felicidade, segundo o escritor francês Adelbert von Chamisso (1781-1838). Uma frustração que, hoje em dia, pode ser superada pela solidariedade de quem doa os óvulos (ovodoação) para outra mulher ser mãe. O auxílio de outra pessoa e da medicina reprodutiva, porém, algumas vezes esbarra no preconceito. Receptoras potenciais rejeitam as doações porque seus filhos não vão possuir sua carga genética e, portanto, temem que eles não tenham semelhança física ou psicológica com ela. É aí que entra em campo a relação entre ovodoação e epigenética para derrubar esse mito.
Ovodoação e epigenética: a relação
Muitas das características dos filhos são determinadas pelos genes herdados do pai e da mãe. Mas nem todos eles são ativados previamente. Isso pode acontecer a partir da gestão e se estender pela convivência com a criança. São justamente esses casos que os alvos das pesquisas da epigenética, ou seja, o que está por cima genética (“epi”, em grego antigo significa “sobre”).
Nos casos de ovodoação, a epigenética tem mostrado como o meio ambiente impacta nos genes. Na gravidez, o meio ambiente é o corpo da mulher. De acordo com as pesquisas sobre ovodoação e epigenética, a pessoa que nasce do útero da receptora será totalmente diferente daquela que seria gerada na barriga da doadora.
Ovodoação e epigenética: “Vai ter o meu jeitinho?”
“Algumas pacientes chegam ao consultório e quando lhes é apresentada a opção da doação de óvulos elas questionam: ‘mas ele não vai ter o meu jeitinho’… Não é bem assim. Estudos no campo da epigenética têm mostrado a influência da convivência na modulação dos genes que determinam o jeito de olhar e o gestual, por exemplo”, explica a especialista em reprodução humana, Dra Sofia Andrade.
Ovodoação e epigenética: a influência do meio ambiente
A personalidade, aptidões, algumas características físicas e preferências da criança, por exemplo, vão ser definidas a partir do seu desenvolvimento no útero, como a mãe se relaciona com ela e com o mundo em sua volta. Esse é o foco das pesquisas sobre ovodoação e epigenética. Ou seja, tudo o que acontece na gravidez é determinante e, consequentemente, fortalece os laços identitários entre mãe e filho. Beneficiada pelos estudos da epigenética, a ovodoação tem quebrado cada vez mais a resistência das pacientes ao tratamento.
Há também uma rigorosa seleção para garantir que os óvulos doados sejam de pessoas que tenham características semelhantes ao casal ou mulher que vai recebê-los. “São levados em conta cor dos olhos, textura da pele, tipo de cabelo, além de uma análise psicológica da doadora. Também são descartadas pessoas com histórico de problemas mentais na família”, disse Dra Sofia.
Ovodoação e epigenética: mãe é a dona do útero
Para esclarecer: legalmente, é considerada mãe da criança gerada a partir da doação de óvulos aquela que engravidou. A doadora não tem qualquer direito sobre o bebê e sequer pode saber quem foi a beneficiada com seu gesto.
Não se trata de uma simples determinação legal. Quem carrega a criança no próprio ventre é a mãe porque é quem vai nutrir e permitir que o feto cresça. O sangue da mãe e do bebê estarão em contato, via placenta. Haverá troca de nutrientes, hormônios e, acima de tudo, emoções.
Custos da doação compartilhada de óvulos
No Brasil não é permitido cobrar pela doação de óvulos, mas as doadoras podem ter o custo do tratamento reduzido. Se após o processo de indução ovariana para a Fertilização in Vitro, por exemplo, a mulher produzir um número de óvulos além do necessário para engravidar, ela pode repassar os excedentes para outra mulher. É o que se chama de tratamento compartilhado.
Quando isso acontece, o custo do tratamento é dividido entre ambas. Vale lembrar que no Brasil não é permitido se conhecer a identidade da doadora de óvulos. Também é expressamente proibido cobrar por eles.
Mulheres que passam por tratamento para engravidar são estimuladas, via medicamentos, a produzir óvulos, que são os gametas femininos que vão atuar na reprodução ao se juntarem aos gametas masculinos, os espermatozoides. Se, nesse processo, ela gerar mais de seis óvulos, estará apta a ser doadora.
Por que doar óvulos?
Além das mulheres que produzem óvulos excedentes no tratamento de reprodução assistida, as doadoras de óvulos são pessoas movidas pela solidariedade. Geralmente elas tiveram contato com outras mulheres que passaram ou passam pelas dificuldades de engravidar. Em boas condições físicas e psicológicas, sensibilizadas com histórias de pessoas que não puderam ser mães, as doadoras prontificam-se a dar um destino feliz a outros casos. A realização de saber que foi determinante para a formação de uma família plena e de inúmeros sorrisos e choros de emoção de uma mãe, não há como descrever.
Quem pode doar óvulos?
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), mulheres entre 18 e 35 anos podem doar seus óvulos. A partir dessa idade limite a capacidade reprodutiva da mulher é reduzida sensivelmente, já que o envelhecimento impacta na produção e qualidade dos óvulos.
Mas antes de ter os óvulos congelados e repassados para outra mulher, há uma série de pré-requisitos a serem preenchidos pela doadora. São realizados todos os testes de sorologia, para saber se ela tem ou já teve HIV, sífilis, ou hepatite, por exemplo. Também é feita uma avaliação clínica completa para descobrir hipertensão, diabetes ou outra patologia, como a endometriose, e se ela já passou por abortamentos de repetição.
Fertilidade e herança genética da doadora
A fertilidade da mulher também é checada e ela tem que ter a aprovação formal do marido para doar, se for casada. A doadora não pode ter qualquer tipo de doença genética hereditária ou problema de saúde que possa ser agravado pela indução ovariana, como cânceres relacionados a hormônios.
Outro teste essencial para selecionar uma doadora de óvulos é o exame de cariótipo. Só ele é capaz de detectar alterações cromossômicas que ampliam o risco de aborto, falhas de implantação do embrião e descendência afetada por síndromes genéticas, que são inúmeras, e podem ser manifestadas no bebê através de dificuldades neurológicas, de visão, audição, alimentação, entre outras.
Também é essencial tanto para doadora, quanto para receptora manter hábitos de vida saudáveis, como evitar fumo e consumo de álcool, se alimentar bem e regularmente, beber muito líquido e ter boas horas de sono.
Como a doadora é escolhida?
As normas do Conselho Federal de Medicina estabelecem que a seleção da doadora seja feita pela clínica de reprodução assistida ou banco de óvulos. Diferentemente da doação do útero para casais homoafetivos, por exemplo, a receptora não pode conhecer ou ter qualquer nível de parentesco com a doadora, para evitar problemas de ordem jurídica.
A doadora do óvulo, porém, passará por uma extensa seleção, levando-se em consideração aspectos psicológicos e físicos e será escolhida aquela com maior compatibilidade, sempre mediante aprovação da receptora, a partir do conhecimento das características avaliadas.
Doar óvulos compromete a fertilidade da mulher?
A estimulação ovariana faz com que óvulos que já seriam descartados naturalmente pelo corpo se desenvolvam. Portanto, não há qualquer prejuízo em relação à fertilidade feminina. Toda mulher já nasce com a sua quantidade total de óvulos para toda a vida, que pode chegar a 1 milhão. Do nascimento à puberdade, ela vai perdendo esses óvulos, gradativamente. Na idade reprodutiva, a cada ciclo, os óvulos crescem na ovulação, entretanto, apenas um folículo vai atingir a maturação suficiente para virar óvulo.
O que a estimulação ovariana faz é que múltiplos óvulos sejam gerados na ovulação, de modo que os excedentes possam ser doados.
Posso doar óvulos, e agora?
Estando apta, a doadora inicia o processo de indução de ovulação. No início do ciclo menstrual são administrados medicamentos por via oral (citrato de clomifeno) ou injeções subcutâneas (gonadrofinas), que agem sobre os folículos, estruturas que contém os óvulos, de modo a estimular o desenvolvimento deles. A maturação é acompanhada por ultrassonografia e exames de sangue.
Em 10 dias, geralmente, os óvulos estão prontos para serem aspirados dos folículos. Essa coleta é feita através de uma agulha acoplada num aparelho de ultrassom transvaginal. A doadora não sente qualquer tipo de dor, pois está sedada, um tipo de anestesia mais leve.
Doar óvulos dói?
A indução ovariana, em geral, é indolor. A mulher pode sentir um certo desconforto a partir do momento em que o tamanho dos ovários vai aumentando, mas isso é apenas na reta final do tratamento.
Após aspirados, os óvulos são avaliados microscopicamente para ver se estão bons para a fertilização. No caso do sêmen, os melhores e mais móveis espermatozoides são selecionados.
Quantos embriões são necessários para engravidar?
A coleta do sêmen é feita no mesmo dia da coleta dos óvulos para que sejam fecundados em laboratório. A depender da qualidade, os gametas masculinos podem ser colocados no mesmo meio de cultura que os femininos para fecundar ou inseridos diretamente no óvulo, pela injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI).
Óvulo fecundado pelo espermatozoide, o embrião é colocado no útero após um tempo de maturação. Para aumentar as chances da gravidez, a quantidade de embriões colocados no útero varia de acordo com a idade da mulher. Dois para mulheres até 35 anos; três, até 40 e quatro, depois disso. Cerca de duas semanas depois é feito o exame para confirmar a gestação.
Quais as probabilidades de sucesso da doação de óvulos?
As taxas de sucesso da gravidez por doação de óvulos estão entre 55% a 65%. Após o terceiro ciclo de doação, esse índice supera os 90%. Já a taxa de aborto, que gira em torno de 50% para mulheres que engravidam dos próprios óvulos a partir dos 42 anos, cai para 15% com a ovodação.
Quem deve receber os óvulos doados
A ovodoação é indicada para mulheres que desejam engravidar depois dos 40 anos, quando a probabilidade de sucesso da gestação natural cai para 10 a 5% de chance. É a opção ideal para quem entrou precocemente na menopausa e, consequentemente, não produz mais óvulos, além de mulheres com históricos de falhas em outros tratamentos, abortos, falência ovariana prematura ou portadoras de alterações genéticas vinculadas ao óvulo.
A ovodoação também viabiliza a gravidez de pacientes que passaram por quimioterapia ou radioterapia devido ao câncer, o que pode afetar a produção de óvulos.
Até quantos anos posso engravidar com óvulos doados?
A doação de óvulos possibilita ainda a gestação para casais homoafetivos. O óvulo doado é fecundado pelo sêmen de um deles e a gestação será feita numa barriga solidária. A dona desse útero pode ser alguém com um grau de parentesco de até quarto grau com um dos pais, ou uma pessoa de fora da família, mas com proximidade, caso a relação seja aprovada pelo Conselho Federal de Medicina. É fundamental que não haja qualquer tipo de compensação financeira, o que é expressamente proibido no Brasil.
A idade limite para a recepção de óvulos no país é de 50 anos. Acima disso, só é permitido com autorização do Conselho Federal de Medicina.
Sou a mãe “de verdade” de um filho gerado pela ovodoação?
Muitas mulheres se culpam por não poder engravidar por meios naturais. Acham que estão sendo castigadas por terem privilegiado a carreira nos casos de uma gravidez em idade avançada, por exemplo. Existe ainda o questionamento sobre uma suposta autenticidade da maternidade. Serei mesmo a mãe “de verdade” de um filho gerado a partir do óvulo de outra pessoa, com um DNA “estranho”, portanto? Por mais irracional que possa parecer, algumas mulheres chegam até a questionar a fidelidade dos seus companheiros, uma vez que ele doa o sêmen para fecundar o ovulo de outra pessoa, ainda que isso aconteça em laboratório sem que os dois se conheçam.
À distância, podem parecer questões menores e irrelevantes, mas não são. Cada mulher tem que ter suas inseguranças respeitadas, discutidas e trabalhadas, para que a maternidade possa ser vivida em sua plenitude e não se transforme num fardo. Por isso, é fundamental o apoio psicológico no sentido da aceitação da doação de óvulos. As barreiras emocionais são o maior entrave nesse processo.
Papel do apoio psicológico na ovodoação
O amparo profissional é essencial para conscientizar a receptora de que não há relatividade da maternidade a partir da doação de óvulos. Ela não será menos mãe por ter recebido o óvulo de outra pessoa.
Primeiro é importante salientar a grandeza do gesto da qual se é uma das protagonistas. Alguém que doou óvulos teve que passar pela indução ovariana, ou seja, tomou medicamentos, disponibilizou um tempo precioso e se dispôs a contribuir para a realização do sonho de uma pessoa que jamais irá conhecer. É um gesto altruísta e de absoluta coragem.
As emoções inerentes à maternidade não deixarão de estar ali porque o óvulo foi doado. O primeiro ultrassom, as primeiras mexidas do bebê na barriga, a revelação do sexo, as contrações, a escolha do nome, do enxoval, as conversas com ele ainda na barriga, o parto, o choro e, o mais importante, o zelo, a educação, as referências familiares, de vida, as privações em nome dele. Tudo segue ali. Um caminho de realização indescritível que só a mãe e seu filho serão capazes de acessar, criando, assim, o vínculo mais forte que se tem notícia: o amor entre mãe e filho.